Reflexões sobre estudos de uma "quase-adulta" — Parte II
Criado em: 2025-03-08

Link da primeira parte: Reflexões sobre estudos de uma “quase-adulta” — Parte I
Na primeira parte, focamos mais na prática e na retenção de conhecimento. Nesta segunda parte, no entanto, focaremos, além nas já citadas, também em conexões e em como usar essas conexões para reconhecer padrões.
Reconhecer padrões é escutar notas musicais específicas e saber exatamente qual música está tocando, ou ver uma obra de arte e saber qual artista a criou e quais técnicas ele usou. É ver uma pessoa com a “cara para baixo” e saber que algo está errado e, claro, ver um exercício de matemática e saber exatamente qual procedimento usar para resolvê-lo. Esse “saber” é o padrão que você reconheceu, aprendeu.
O problema é que reconhecer padrões não é tão fácil assim, especialmente quando falamos de conceitos novos que nunca vimos antes. É por isso que as conexões são tão úteis. Quando você conecta diferentes conceitos, cria-se uma base de conhecimento mais ampla. Isso permite identificar padrões mais rapidamente, pois você já tem uma “biblioteca mental” de exemplos e analogias.
Por exemplo, um programador que aprendeu vários algoritmos de ordenação pode reconhecer padrões em novos problemas e aplicar a solução mais adequada. Ou um estudante de física que reconhece padrões matemáticos em equações físicas e consegue aplicar fórmulas com mais velocidade e exatidão, pensando até “fora da caixinha”. Percebe as conexões entre conceitos?
Nosso cérebro foi basicamente programado para reconhecer padrões desde os tempos antigos — diferenciar frutas venenosas de não venenosas, distinguir presas de predadores, reconhecer quando alguém está doente, desenvolver um sistema padronizado de comunicação, etc. Por que nos estudos seria diferente?
Interleaving
Interleaving é alternar entre tópicos de uma matéria durante os estudos. Isso é o oposto de blocking, onde você estuda um tópico por completo antes de passar para o próximo. Um exemplo seria alternar entre resolver problemas de equações quadráticas, álgebra, funções exponenciais e geometria na mesma sessão de estudo. Confira o problema abaixo:
“Um menino viaja 24 km para o leste a partir de sua casa, depois vira para a esquerda e percorre mais 10 km. Encontre o seu deslocamento total.”
Se o problema acima estivesse embaralhado (o que meio que é o jeito que está agora), você precisaria fazer mais esforço cognitivo para chegar a uma resposta. Agora, se o problema estivesse no capítulo sobre “Teorema de Pitágoras”, seu primeiro pensamento seria aplicar a fórmula diretamente. Não teria o mesmo esforço cognitivo de antes.
Por isso, o interleaving funciona tão bem: você aprende a ter o raciocínio lógico para resolver os problemas, sem seguir uma fórmula cegamente. O interleaving não é apenas uma técnica de estudo, mas uma estratégia que força seu cérebro a sair do modo automático, criando uma “dificuldade desejável” que promove uma retenção e generalização superiores.
Se você está estudando para uma prova muito difícil, ficar fazendo exercícios em ordem não vai te ajudar muita coisa — as questões não vão cair em tópicos sequencialmente (AAAABBBBCCCCDDDDEEEE…), mas sim de forma misturada e caótica (AGBCDEDFACBECGEDACAED…), então você precisa saber os procedimentos necessários para resolver cada questão da prova, independente da ordem. O interleaving ajuda nisso.
Normalmente, você usa o blocking quando estuda um assunto pela primeira vez, indo até os exercícios introdutórios. Nas revisões, no entanto, você já mistura os exercícios desse assunto com outros (sendo uma técnica de revisão muito mais eficaz do que o blocking).
Perceba que a imagem acima usa o conceito de curva do esquecimento para mostrar a diferença entre blocking e interleaving. O interleaving acaba tendo, então, o efeito de “espaçamento” da repetição espaçada. Tanto no espaçamento quanto no interleaving, você dá tempo para sua mente esquecer, de modo que o cérebro, em sessões de estudo subsequentes, precise se esforçar para recuperar as informações aprendidas anteriormente. Como dito por Rohrer & Hartwig (2020):
“Both spacing and interleaving are instances of a phenomenon known as a desirable difficulty (Bjork, 1994) – the focus of this forum. A desirable difficulty is a learning method that, when compared to an alternative, makes practice more difficult while nevertheless improving scores on a subsequent test (e.g., Bjork & Bjork, 2014; Bjork, 2018; Bjork & Bjork, 2019; Bjork & Kroll, 2015; Schmidt & Bjork, 1992).”
O problema de usar o interleaving é que, como dito antes, o esforço cognitivo é muito maior, e você pode sentir que não está aprendendo — o que é mentira, claro. Você está aprendendo, só que de um jeito mais desconfortável do que o normal. Não há muito o que fazer além de se acostumar com esse desconforto e estudar.
Eu tentei ir atrás de formas de tornar o interleaving mais “tolerável”, já que foi esse o objetivo que tive em mente com meus estudos no geral. Algo que ajuda, para quem usa um sistema de flashcards, é que você acaba fazendo interleaving acidentalmente, já que verá tópicos diferentes de uma mesma matéria em sequência. A questão é usar o interleaving em outras ocasiões também, principalmente na prática ativa, o que não tem muito para onde fugir.
Pesquisa recursiva, ou “Buraco de Minhoca”
Talvez, quando você leu a primeira parte, tenha ficado confuso com esse nome. “O que seria esse ‘buraco de minhoca’, afinal?” E, para mim, essa é a parte mais divertida de todo o estudo. Não é à toa que esta será a seção mais longa deste post.
Pesquisa recursiva é a técnica de, bem, pesquisar recursivamente. Você tem um conceito específico que quer aprender mais ou uma palavra cujo significado desconhece. Você joga no Google, lê e entende o conceito/palavra e vai progressivamente pesquisando mais e mais termos correlatos. Acredito que uma forma mais fácil de entender seja com o meu exemplo favorito: um dicionário monolíngue.
Digamos que você esteja aprendendo inglês usando um dicionário EN -> EN e se depare com a seguinte palavra: elaborate. Você então pesquisa o significado, já que não a conhece.
elaborate = “Involving many carefully arranged parts or details; detailed and complicated in design and planning.”
Ok, o que diabos é complicated? Como eu disse, você ainda está aprendendo, então pesquisa o significado dessa também.
complicated = “Consisting of many interconnecting parts or elements; intricate.”
Aqui, você já não sabe o que é intricate, então mais uma recursão.
intricate = “Very complicated or detailed.”
Você consegue perceber que complicated e intricate possuem uma forte conexão entre si, se complementam, mas talvez ainda não esteja 100% claro. Então, você decide pesquisar detailed para reforçar o entendimento e ter certeza de uma vez por todas.
detailed = “Having many details or facts; showing attention to detail.”
Agora, você volta à definição original de “elaborate” e relê: “Involving many carefully arranged parts or details; detailed and complicated in design and planning.” Depois das pesquisas anteriores, você consegue entender que “elaborate” se refere a algo que é detalhado, bem planejado e complexo. Se você quiser fixar ainda mais a ideia na sua cabeça, poderia escrever uma frase usando essa palavra como base central.
Em um dicionário bilíngue, você teria aprendido apenas uma palavra (elaborate), mas agora conseguiu aprender quatro de uma vez só! Percebe o quanto isso pode ser útil?
Obviamente, o exemplo foi meio simples demais, mas você consegue perceber que essa técnica (ou hábito) cumpre bem o papel de tornar conexões mais aparentes e óbvias. Muitas das pessoas que conheço que aprenderam um idioma diferente do nativo foram por uma forma parecida: elas pesquisavam palavras que não conheciam, liam mais palavras que não conheciam e pesquisavam novamente, até entenderem tudo.
Ela não serve só para aprender um idioma, no entanto. Você consegue também pesquisar conceitos que não conhece em qualquer área e cair em um buraco de minhoca surreal. É uma experiência transformadora, para não dizer o mínimo.
Exemplo acima vindo do site Learn How To Learn.
Tive o prazer de testar essa técnica na prática algumas vezes, muitas quando eu nem estava prestando atenção. Por exemplo, uma vez eu estava lendo um blog (ou assistindo um vídeo? Não me lembro) e me deparei com um termo estranho: pixel sorting. Bem, eu sei o que são pixels, e também sei que sorting é ordenação, então seria um algoritmo para ordenação de pixels…?
Fiquei curiosa, um pouco intrigada, e decidi pesquisar mais. Acabei achando pouquíssimas fontes sobre o assunto, além de um artigo, uma comunidade do Reddit e um vídeo (e uns 100 sites para transformar suas imagens automaticamente, claro, mas nenhum tecnicamente útil). Devorei tudo que eu podia devorar sobre o assunto e decidi tentar recriar esse algoritmo do zero em C, apenas por diversão.
Encontrei no artigo o link do script que começou toda essa história e coloquei a mão na massa. Depois de algumas boas horas de trabalho, consegui um resultado até que satisfatório com o meu algoritmo. Um verdadeiro caso de sucesso!
O fim?
Depois de toda essa jornada, você chegou ao final desta mini-série de posts! Parabéns! O que você talvez tenha percebido nessa aventura é que, na verdade, eu fui mais um papagaiozinho falando sobre o porquê das técnicas funcionarem, mas não mostrando muito na prática como aplicar tudo isso em um ambiente real. Falar é muito fácil, difícil é fazer.
E eu concordo! Sendo sincera, fiquei bastante pensativa na hora de encerrar este post (principal motivo de ele ter demorado bem mais que o primeiro, sorry). Depois de passar tanto tempo falando sobre esse assunto, simplesmente encerrar com um “o resto fica por conta do leitor, tchau!” me parecia meio anticlimático.
O problema é que o meu sistema de estudos, por enquanto, é meio primitivo — ele se baseia nos conceitos abordados nesta mini-série, sim, mas não tenho muitas sessões de estudos ainda para compará-lo. Além do fato de ele ser um sistema bastante pessoal. Ele é ajustado para o que funciona melhor para mim, não sendo muito generalizável (até onde testei).
Por isso, para a infelicidade de alguns, deixo como reflexão a criação do seu próprio sistema de estudo funcional. Ele não precisa ser perfeito, raramente será, mas será a peça principal que você desenvolverá durante suas sessões de estudo, um projeto a longo prazo. Criar do zero seu próprio sistema também é importante para que ele se adeque aos seus objetivos pessoais. Muitas das coisas que falei acabam sendo “inúteis” dependendo da sua meta:
- Se você é concurseiro, fazer projetos reais e pesquisa recursiva são perda de tempo em 90% dos casos.
- Se você quer dominar completamente um conteúdo, principalmente para pesquisa, a proporção entre teoria e prática costuma ser algo próximo de 60/40 (ou até 50/50) do que os 80/20 que eu deixei transparecer na primeira parte.
A questão é que, mesmo existindo métodos com eficácia comprovada cientificamente, tudo depende do seu objetivo final. Por isso, pessoas que querem tirar uma nota boa em uma prova estudam de forma diferente de alguém que precisa se tornar proficiente o mais rápido possível.
Quando eu ainda estava procurando uma boa forma de estudar, assisti a este vídeo do Odysseas sobre Obsidian. Eu assisti ele inteiro, junto com outros vídeos do canal, e achei que tinha encontrado um bom setup para colocar em prática. Resultado? Usei por menos de uma semana. Não houve nenhum motivo sobrenatural além do fato de que o setup não funcionava para meus objetivos. Ele era focado em leitura e escrita, enquanto eu procurava algo mais prático.
Talvez um dia, quando eu tiver dados suficientes, eu faça um post de 6000+ palavras falando com o máximo de detalhes possíveis sobre o meu sistema. Até lá, deixo esse exercício com vocês :v
Referências e Recomendações
Caso você tenha gostado desta mini-série de posts e esteja interessado em saber mais sobre esses assuntos, recomendo a leitura dos artigos abaixo! Alguns são focados exclusivamente em uma técnica só, enquanto outros são mais amplos, mas acredito que cada um tem algo interessante a acrescentar na discussão!
Acho legal você também testar todas as técnicas mencionadas aqui usando esta própria mini-série como base! Você talvez tenha visto conceitos que não conhecia, entenda-os bem e depois faça flashcards. Se você viu alguma palavra interessante, use a pesquisa recursiva e aprenda mais sobre o assunto. Conecte todos esses conhecimentos em um grande diagrama mental. É mais divertido do que parece, é sério.
- Augmenting Long-term Memory — versão resumida nesta série de tweets
- Spaced Repetition for Efficient Learning
- How to Create Math Flashcards: Proofs
- Honestamente, todos os artigos do Learn How To Learn
- The Math Academy Way
- SuperMemo Guru