Reflexões sobre estudos de uma "quase-adulta" — Parte I
Criado em: 2025-03-05

Daqui a alguns meses, estarei fazendo 18 anos.
Uma idade e tanto, não? Finalmente, terei o bel-prazer de poder ser presa, votar obrigatoriamente pelo bem (ou mal) da minha nação e beber, beber bastante. A verdade é que, mesmo em uma etapa tão importante da minha vida, ainda me sinto uma criança. Claro, eu cresci mentalmente e mudei muito como pessoa desde pequena, mas minha visão do futuro continua a mesma de antes: confusa.
Em um ápice de epifania, decidi me “portar” como alguém da minha idade e me preocupar com meu futuro. Sem mais procrastinação, sem mais joguinhos que não agregavam em nada — de agora em diante, eu iria me focar 100% nos meus objetivos e estudar tudo que sempre quis estudar! Nada iria me parar, eu já tinha um cronograma sobre cada tópico, o que eu precisava fazer a cada semana, e era só começar no dia seguinte e—
Não deu certo. Óbvio. Estudar era tedioso, péssimo, inclusive. Não era nada parecido com os vídeos que eu assistia. Eu não acordava de manhã feliz por ter o privilégio de estudar; na verdade, era muitas vezes o oposto. Desenvolvi um sentimento que nem a melhor romantização conseguiria salvar.
Desde esse incidente, eu aprendi bastante sobre como estudar de uma forma mais “tolerável”. Não sou nenhuma expert, mas sempre fiquei fascinada sobre como a memória do nosso cérebro funciona e como armazenar informações no nosso HD mental de forma mais otimizada.
Sendo bem sincera, esse post não é o primeiro “olhe o meu workflow incrível de estudos!” do mundo — e nem será o último. O YouTube está lotado de conteúdos do tipo, indo desde workflows manuais (papel, meu bom amigo) até os mais futurísticos (IA). As escolhas são inúmeras!
Então, o que esse meu humilde workflow vai melhorar nos seus estudos em comparação aos outros?
Não muita coisa, provavelmente. Eu estarei falando do meu método de estudos e como uso na prática, claro, mas quero que esse post te faça refletir sobre como criar o seu próprio método de estudos.
A Arte de Aprender
Aprender é uma arte. Nem todo mundo sabe como aprender da melhor forma possível e fica preso a métodos ultrapassados, muitas vezes incentivados em certos ambientes, como apenas leitura passiva (a palavra-chave é o apenas) ou highlighting. Como dito por Weinstein, Madan, & Sumeracki (2018):
“The science of learning has made a considerable contribution to our understanding of effective teaching and learning strategies. However, few instructors outside of the field are privy to this research.”
O nosso cérebro tem o péssimo hábito de permanecer na zona de conforto, evitando situações que causam desconforto ou estresse. Ler o seu livro didático e destacar os pontos-chave causa uma satisfação e um maior bem-estar do que fazer exercícios, um ato considerado até assustador por muitos. Essas práticas defasadas, portanto, são ensinadas para a geração futura por serem “mais fáceis”. Você sente que está aprendendo, e talvez até esteja, mas de uma forma tão lenta e ineficaz que mais prejudica do que ajuda a longo prazo.
Retemos melhor as informações quando pensamos e trabalhamos ativamente no assunto. Quem você acha que tem mais chances de se sair melhor em um teste de matemática? O aluno que fez todos os exercícios do capítulo ou o aluno que apenas leu todo o capítulo?
(In)felizmente, estudar ativamente (ex. prática, repetição, etc.) é necessário, então não temos para onde fugir. Este método que montei leva isso em consideração, o que chamo de alguns dos pilares do aprendizado:
- Repetição Espaçada (Prática distribuída)
- Prática Ativa (Mão na massa)
- Interleaving (Prática Mista)
- “Buraco de Minhoca” (Fazer Conexões)
Nessa primeira parte, falaremos apenas dos dois primeiros.
Repetição Espaçada, Algoritmos e Esquecimento
Leitura recomendada para os menos familiarizados - não obrigatório: Como se Lembrar de Qualquer Coisa para (Quase) Sempre
Repetição espaçada — a técnica de revisar um assunto específico em um intervalo de tempo progressivo (1 dia depois, 7 dias depois, 14 dias depois…) — não é algo de hoje, tendo o seu principal efeito documentado desde o século passado, com a sua base de pesquisa sendo iniciada por Hermann Ebbinghaus em 1885 com o conceito de curva do esquecimento. Um exemplo do método para o aprendizado de línguas estrangeiras descrito por Pimsleur (1967):
“A procedure for aiding students to remember the vocabulary and structures they have learned is essential. When a new word is learned, the process of forgetting begins at once and proceeds very rapidly. If the student is reminded of the word before it has been completely forgotten, their chances of remembering it will increase. After each such recall, it will take longer and longer to forget the word again. Thus, a small number of recalls, if properly spaced, can bring about retention over a long period.”
Não vou me estender muito na história. O que eu quero demonstrar é que essa técnica já vem sendo estudada e mencionada há anos e possui real efetividade nos estudos, ainda mais como forma de complemento. Revisar conceitos matemáticos para uma prova não é tão eficaz em alguns casos quanto resolver questões, mas vai te dar o conhecimento a longo prazo para atacar esses problemas, mesmo tendo passado semanas ou meses desde que você viu o conteúdo. Essa é a chave da repetição espaçada.
Hoje em dia, existem vários aplicativos que têm como objetivo te ajudar nessa questão, usando o conceito de flashcards (um cartão que possui a pergunta de um lado e a resposta do outro; virtualmente, o lado da resposta fica escondido).
O primeiro que começou com essa tendência foi o SuperMemo, criado pelo maníaco Piotr Wozniak em 1985. Esse polonês insano inventou um dos melhores algoritmos de revisão até então (SM-2), além de escrever uma quantidade absurda de artigos sobre os mais diversos assuntos. Já o Anki lançou em 2006, implementando um SM-2 modificado e sendo de código aberto, diferente do SuperMemo, e atraindo uma gama enorme de estudantes (principalmente de medicina) para o programa.
Independentemente de qual software você usar, a função será a mesma: revisar cartões. Se você quiser, nem software você precisa! Uma caixa de sapatos e flashcards caseiros já dão conta do recado. Eu estou no momento usando o Obsidian, junto com o plugin obsidian-spaced-repetition-recall.
Acima, tem um exemplo simples de flashcard. Ele começa fechado, com apenas a pergunta inicial (“Qual o objetivo da Redução de Dimensionalidade?”). É nessa parte que você precisa fazer o esforço mental de lembrar a resposta do cartão. Tente até você se lembrar da resposta e conseguir articulá-la, ou até você desistir. Ao clicar em “Show Answer”, aparece a resposta junto com as opções “Hard”, “Good” e “Easy”. No Anki e em outros programas, existe o “Again” como opção também.
As opções são bem autoexplicativas: se você não lembrou da resposta, clica em Again. Se você lembrou a resposta, mas com dificuldade, então você clica no Hard. Se você lembrou bem, mas não tem tanta confiança assim, clica no Good; se foi mamão com açúcar, Easy. Cada opção tem um intervalo diferente, que define qual será a próxima revisão desse cartão, por isso seja sincero na hora de escolher a opção! No meu caso, eu marquei esse cartão como Good (não gosto de marcar Easy), ou seja, só verei ele daqui a 2 dias.
O algoritmo que eu uso é o FSRS, um algoritmo moderno que busca aprender seus padrões de memória e agendar revisões com mais eficiência do que o algoritmo SM-2, com 30% menos tempo de revisão para retenção. Uso ele há um tempo e posso dizer que ele funciona muito bem! Dependendo do seu objetivo, você precisa dar uma configurada básica na taxa de retenção desejada. A minha é de 95%, então os intervalos são mais curtos no geral.
No começo, você vai se sentir meio perdido. “Quais cartões eu tenho que criar?” “Quais informações são úteis e quais não são?”. A minha dica de ouro é ir nas palavras em negrito (ou em itálico, dependendo do autor), normalmente elas são conceitos importantes. Caso não tenha nenhuma, eu vou adicionando cartões sobre conceitos que eu não conhecia. Por causa disso, talvez você crie cartões de assuntos fáceis demais ou só desnecessários, então é só deletá-los e seguir com a vida — não tem mistério.
Existem certos cuidados para se ter na hora de criar cartões. É fácil você criar cartões que são de difícil memorização, extensos ou só sobre conteúdos que você ainda não aprendeu direito. Como você lembra um cartão como o abaixo?
É impossível! Ou pelo menos difícil demais para valer a pena o esforço. O SuperMemo possui um artigo interessante sobre as “20 Regras para formular conhecimento em aprendizado” falando justamente sobre esse tipo de problema, recomendo a leitura. Caso esteja com preguiça, lembre-se do resumo:
- Não aprenda coisas que você não entende
- Aprenda antes de memorizar
- Comece pelo básico antes de avançar para complexidades
- Mantenha as perguntas simples
- Imagens auxiliam a memória
- Aprenda técnicas mnemônicas
- Evite listas, conjuntos e enumerações
- Personalize e forneça exemplos
- A Cloze Deletion é rápida e tem um ótimo poder mnemônico
- Use redundância (itens semelhantes fazendo perguntas semelhantes de diferentes ângulos)
- Use referências
Como dito antes, flashcards são complementos. Eles não substituem a prática ativa, nem nenhuma das outras técnicas de estudos existentes. Flashcards são como temperos de cozinha — você não consegue fazer uma refeição só com temperos, mas são eles que dão o sabor ao prato. No nosso caso, o prato são todos os métodos de estudos ativos, e são eles que constroem a base e o topo do seu conhecimento, mas os flashcards preenchem as lacunas e reforçam informações específicas. Portanto, combinar os dois realça ambas as técnicas. É win-win!
Prática, IA e Projetos
Boa parte dessa seção será parecida com o meu outro post, perdão.
Essa é a parte que realmente importa. Você devorou um livro/vídeo inteiro, colocou e revisou seus cartões no seu programa favorito, e agora você finalmente vai criar algo do zero. Dependendo do seu material, você deve ter recebido alguma lista de exercícios — devore-a também!
É essencial você sempre praticar. Se você está estudando matemática, faça 10-20 exercícios sobre o assunto; estudando programação, pratique a sintaxe e resolva exercícios igualmente. Sua prática também precisa de revisão, então pratique o mesmo conteúdo centenas de vezes.
Hoje em dia, o céu é o limite em relação a projetos, principalmente com o avanço de IAs. Você literalmente pode criar um fusor nuclear usando apenas Claude 3.5 Sonnet e Claude Projects.
E se um fusor nuclear não é sua praia, você pode criar uma GPU do zero!
Honestamente, querendo ou não, usar IA ajuda bastante a entender conceitos e criar conexões entre ideias. Você possui uma espécie de mentor disponível para você 24 horas por dia, e ele nunca vai se cansar de sanar suas dúvidas, não importa o quão idiota elas sejam.
Obviamente, não use a IA para fazer o trabalho inteiro para você. Você não vai aprender nada no processo e vai ter uma falsa sensação de conquista que nem foi mérito seu. A IA te auxilia, não substitui. É tentador quando você está preso em um problema que você não entende, é tão fácil só jogar o problema para o ChatGPT resolver ou coisa do tipo, mas você não aprende nada no processo. Em casos assim, gosto de usar o prompt abaixo para ter discussões em um estilo socrático (feito por @experilearning):
You are a tutor that always responds in the Socratic style. You never give me the answer, but always try to just ask the right question to get me to learn and think for myself. You should break the problem into parts.
Com toda essa tecnologia e a gama de conteúdos disponíveis na internet, nunca foi tão fácil aprender qualquer assunto. Pré-requisitos, mesmo ainda limitantes, podem ser aprendidos muito mais rapidamente focando apenas no seu objetivo. Porém, muitas pessoas ainda se restringem por pura preguiça (?) ou incapacidade.
“Mas qual projeto fazer?” Eu não sei, os gostos são seus. Qualquer coisa, faça um blog que é fácil e útil.
“Mas como eu aprendo certo assunto?” O Google existe para isso. Um indiano provavelmente fez um vídeo perfeito para você há 5 anos.
“Mas—?” É sério, todas as respostas para suas perguntas estão a um passo de distância. Você não precisa se restringir a um roadmap específico, você cria o seu próprio roadmap. Você cria seu próprio caminho, pula de galho em galho, e você faz projetos que importam. Gosta de aprender idiomas? Faça um projeto sobre isso, talvez tentar fazer um plugin para o programa que você tanto usa. Gosta de jogos? Legal! Cria um jogo do zero na linguagem que você quer aprender, talvez um clone do seu jogo favorito.
“Don’t ignore this point and waste a bunch of time reading books. It’s time to put the books down and start fucking around. If you aren’t a student, why unnecessarily constrain yourself by copying the inefficient learning methods of school? The big advantage of being in your position is that you have the autonomy to choose whatever you want to do. In many ways, you have it easier than students who won’t have free reign over what they choose to program.” (@experilearning)
Citações
- Pimsleur, P. (1967). Memory Schedule [The Modern Language Journal]
- Weinstein, Y., Madan, C.R. & Sumeracki, M.A. Teaching the science of learning. Cogn. Research 3, 2 (2018). https://doi.org/10.1186/s41235-017-0087-y